sexta-feira, 1 de outubro de 2010

As particularidades da fala e da escrita

Por mais alto que a gente grite, nossa voz só chega
até ali adiante. Já uma carta, com um bom mensageiro,
pode atravessar o mundo. É claro que hoje dispomos de
recursos poderosos para transmitir nossa voz, que os
antigos não tinham, como o telefone. Mas, desligado o
telefone depois da conversa, a memória só guarda uma
idéia geral das informações. Se for importante, é melhor
anotar – por escrito, é claro.
Também é possível armazenar o som – num disco,
numa fita magnética, num computador; e no correio
eletrônico, pelo e-mail, podemos misturar som e escrita.
Mas, por mais sofisticada que seja a tecnologia, a verdade
é que todos esses recursos são extensões da boa e velha
escrita, isto é, da fixação, por meio de sinais, da voz
humana.
Por causa dessa simples qualidade – a permanência –
a escrita dominou o mundo. Parece ser tão óbvia sua
importância que as pessoas nem se perguntam mais para
que ela serve. E se alguma criança se recusa a ir à escola,
por exemplo, ela é vista como uma criança problema...
Bem, todos nós tivemos em algum grau alguma experiência
complicada com a escrita em decorrência da sua
obrigatoriedade. Somos obrigados a ler e a escrever! E,
depois do bê-a-bá inicial, que tem sempre o prazer da
descoberta, os detalhes da escrita parece que vão se
complicando de um jeito que não tem mais fim.
A fala, que dominamos tão bem e que parece tão
simples, se atrapalha inteira quando vai ser escrita. Há uma
razão especial: escrever não é a mesma coisa que falar! A
fala é apenas um ponto de partida, uma base geral. Mas,
quando escrevemos, nós obedecemos a um sistema
particular de regras que não coincide com a fala em muitos
pontos essenciais.
Para substituir a riqueza de recursos da oralidade
(entonação, gestos, autocorreção, interrupção, pausas ...),
a escrita dispõe de recursos exclusivamente gráficos – os
sinais de pontuação – responsáveis em grande parte pela
clareza do texto.
Além disso, como normalmente quem escreve não
está junto com o leitor no momento da leitura para
esclarecer dúvidas, é preciso que o texto seja claro, isto é,
que o leitor entenda perfeitamente o que está escrito,
contando apenas com o que está escrito.
Em suma, a escrita tem um sistema de organização
próprio, isto é, um conjunto de princípios em boa parte
diferente do sistema de organização da fala.

(Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza. Oficina de Texto.
Petrópolis: Vozes, 2003, pp. 11-21. Fragmento adaptado).

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