sábado, 19 de junho de 2010

José Saramago: um mago das palavras.



Não posso deixar de lamentar aqui a perda deste grande escritor português José Saramago. Lembro ainda do 1º livro que li dele: Ensaio sobre a Cegueira. Ensaio é um livro forte, daqueles que faz você parar, respirar e puxa vida!Como ele conseguiu dizer isso? Saramago era de fato um mago das palavras.Filho de pais analfabetos conseguiu se tornar num dos maiores nomes da expressão da língua portuguesa.Que pena sua partida!O mundo está precisando tanto de pessoas que coloquem as palavras  no lugar certo como fez Saramago...


"O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer."
(José Saramago)

Um comentário:

Acentelha-Moreno/PE disse...

Saramago, o último grande narrador Roberto Numeriano Numa cultura dominante em que a pulsão da morte constitui a suaessência, o escritor José Saramago, falecido aos 87 anos no dia 18 dejunho, foi uma brilhante e genial exceção. Português da aldeia deAzinhaga, filho de pais pobres da região do Ribatejo, Saramago não erahomem de concessões hipócritas quanto a princípios morais e políticosnos quais acreditava, e, por isso mesmo, numa época em que tudo está àvenda ou pode ser relativizado em nome de projetos pessoais e / ou degrupos, ele se manteve coerente até o fim da vida. Para o bem da altaliteratura, dos ideais socialistas e da própria humanidade. Antigo militante do Partido Comunista Português, Saramago não era“comunista de carteirinha” por acaso. Filiou-se ao PCP em 1969, quandoPortugal ainda vivia a ditadura salazarista. O ato foi apenas aformalização de uma militância socialista que vinha de longa data,efeito da sensibilidade moral de um jovem que, tendo nascido no meiode pobres e miseráveis, cedo discerniu as causas da desigualdadesocial e econômica dos portugueses. Aluno brilhante, teve de abandonaro colégio porque seus pais não podiam pagar seus estudos. Podia, pela revolta, renegar e esconder sua origem pobre. Podia, comofazem muitos na ascensão social, defender idéias da classe queespoliava os lavradores e proletários do Ribatejo. Podia, porvergonha, fingir que nunca foi pobre. Podia, simplesmente, esquecer.Mas há gente que nasce para lembrar, porque nunca esquece de si mesmoem suas origens. E lembrar por si e pelos outros, pelos que têm boca elíngua, mas nunca são escutados; têm olhos e visão, mas são invisíveisem um mundo onde a luz parece se projetar apenas sobre os bens, ariqueza, o luxo, o poder e a ostentação. Em Saramago, essas dimensões de mestre do romance e de ativistapolítico e social se imbricavam sem que uma tolhesse ou recalcasse aoutra. Foram sempre a expressão de uma persona criativa e combativa,rica de uma humanidade onde percebemos a sabedoria dos simples decoração, o humor, a luta dos deserdados, a crítica social e dos(hipócritas) costumes, a denúncia da cegueira de um mundo onde a morteinspira a política do capital, o alerta a respeito da alienaçãocoletiva dos seres humanos, embrutecidos na malha da indústriacultural da incultura. O poder de sua fábula traduzia justamente este universo, e não poracaso pode explicar o fato de alguns o considerarem “difícil” e aomesmo tempo ele ser tão lido e admirado por milhões de pessoas, emvárias línguas. Em um dos seus raros acertos, o comitê de literaturalhe concedeu o Prêmio Nobel em 1998. Saramago é, possivelmente, o último grande narrador da humanidade,considerada esta em sua dimensão de um espírito ou idéia universal. Emsuas obras, não há como não nos reconhecermos como seres humanoscompletos, na dor ou na alegria, vivos ou mortos, duvidando dos deusese das crenças, amando e buscando. Sua morte marca (e aqui a frasefeita cabe) o fim de uma época em que a literatura está moribunda esubmetida aos escapismos de estilos que apenas revelam sua pobreza.Também simbolicamente, sua morte ocorre em um momento no qual há umapulsão de morte no movimento de forças econômicas e políticaserguendo-se do espólio neoliberal em vários países europeus, numa ondaneofascista que criminaliza migrantes, trabalhadores, etnias nãobrancas, ativistas políticos e sociais de esquerda, além de estudantese desempregados. Contra tudo isso, o grande narrador português nos deixou uma obra paratravar um combate que significa a permanência de uma luz que ele fezbrilhar nos seus personagens. Em Memorial do Convento, um dos seusgrandes romances, os protagonistas Baltasar Sete-Sóis e BlimundaSete-Luas são a quintessência do amor perene entre um homem e umamulher, para além do tempo, das fogueiras da Inquisição, da velhice.Quem lê a obra e vê a vida de Saramago, sente que ele tinha o mesmoamor pela humanidade. Roberto Numeriano é cientista político (UFPE), professor, jornalista ecandidato do PCB ao Governo do Estado de Pernambuco. -- Um abraço. Saúde e paz. R. Numeriano